NOTA ZERO PARA QUEM PUSER MIOJO NO ENEM
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Aristóteles
MEC anuncia mudanças no Exame Nacional do Ensino Médio. A principal, na prova de redação: erros e deboches, como escrever receita de macarrão, não serão tolerados.
Edição 2013 não vai admitir na redação receita de miojo ou hino de time de futebol. Inscrições abrem na segunda-feira
Depois das severas críticas aos critérios de correção das redações, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, anunciou ontem que a avaliação da próxima edição do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) será bem mais rigorosa. Quem fugir do tema proposto ou inserir trechos de assuntos que não tenham a ver com a proposta de desenvolvimento da redação — como receitas de macarrão instantâneo ou letra de hino de times de futebol, como ocorreu na prova passada — terá a prova anulada. Na edição de 2012, redações do Enem com deboches como esses chegaram a receber notas altas dos corretores, mas viraram motivo de chacota, após circularem nas redes sociais.
As provas estão marcadas para 26 e 27 de outubro. As inscrições começam na próxima segunda-feira e vão até o próximo dia 27. Os alunos que cursaram o ensino médio em escola pública permanecem isentos de pagar a taxa de inscrição, de R$ 35. Também está isento quem tem renda familiar de até 1,5 salário mínimo (R$ 1.017) por pessoa — ano passado, o limite era um salário mínimo.
As novas regras, de acordo com especialistas, conferem mais credibilidade ao exame. Depois de muita resistência, a Universidade de Brasília (UnB) vai substituir, pela primeira vez, o vestibular convencional do fim do ano pelo exame do MEC. Até então, a universidade só usava o Enem como critério de preenchimento de vagas remanescentes.
Além de punir os deboches, o Enem 2013 também pretende apertar ainda mais os critérios de correção. Erros crassos de português, como os que foram encontrados em algumas redações que tiraram nota máxima na edição anterior, também serão punidos. Mas, de acordo com a nova exigência, desvios gramaticais ou de convenções de escrita podem ser aceitos de forma excepcional, mas só quando não houver reincidência. "É como no futebol. A regra é clara, mas o árbitro pode ter interpretação diferente", explicou o ministro Mercadante, ao explicar as mudanças.
Mas ele fez questão de reforçar que o deboche não será admitido. "(Se houver) Qualquer inserção descabida, a nota será 0. Não vai ter nenhuma tolerância. E, para tirar nota máxima, o aluno vai ter que ser muito bom. Só será aceito algum desvio excepcional e a banca vai ter que justificar por que deu a nota máxima", acrescenta. Os erros gramaticais graves — como "enchergar" e "trousse" — encontrados em provas que receberam notas altas na última edição do Enem foram considerados, pelo ministro, como um problema "específico e localizado".
Ainda no âmbito da redação, foram feitas mais duas mudanças. Quando houver diferença de mais de 100 pontos entre as notas arbitradas pelos dois corretores, a prova será encaminhada a um terceiro avaliador. Se a discrepância persistir, a redação passará pela análise de uma banca de especialistas. No ano passado, o limite de discrepância era de 200 pontos e, em 2011, de 300 pontos. Com essa mudança, o MEC espera que uma em cada três redação seja corrigida três vezes. Ano passado, cerca de 20% dos textos foram reavaliados. "Os avaliadores terão que ter mais sintonia fina para poder chegar à nota final. As exigências vão ser maiores e mais avaliadores vão ser afastados (se não cumprirem as regras)", ameaçou o ministro. A pasta também vai aumentar o valor pago por prova corrigida — de R$ 2,35 para R$ 3.
Mudanças aprovadas
Para a estudante Thaís Umbelino, de 17 anos, que tentará ingressar no curso de jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) ou da UnB, os critérios de correção darão mais credibilidade ao exame. "Quem coloca uma piada é porque não está levando a prova a sério. Dominar a norma culta é obrigação, então, quanto mais cobrança, mais exigências na correção, melhor, pois assim os melhores são selecionados."
Colega de Thaís em um curso pré-vestibular de Brasília, Débora Gabriella Souza, 19 anos, aspirante ao curso de arquitetura da UnB, também critica a falta de segurança do certame. "Vazam questões, fotos são postadas nas redes sociais durante a realização da prova... O Enem tem muita falta de organização".
O professor de educação da UnB Remi Castioni acredita que os novos parâmetros dão mais seriedade à prova. "Os principais problemas na edição passada estavam na correção das redações, que, na justificativa do ministério, de alguma forma, atendiam o edital. Mas, na corrente da língua portuguesa, houve muitas argumentações contrárias. Muitos questionaram se, de fato, houve ou não correção na prova do Enem", lembra.
Castioni destaca que esse tipo de mudança no edital é inevitável e caracteriza aperfeiçoamento do sistema. "O Enem, hoje, é irreversível. Agora tem que se buscar uma forma para que transcorra sem questionamentos, como outros exames no mundo inteiro que atingiram essa maturidade. Essa iniciativa do MEC caminha nessa sugestão. Há um interesse muito grande para que o exame dê certo."
A expectativa é que 6,1 milhões de estudantes se inscrevam este ano. O número é 5% superior ao registrado em 2012, quando houve 5,79 milhões de inscritos. Agora, o ministro faz um apelo para que os estudante não faltem ao exame. Ele lembra que a prova vale para o Financiamento Estudantil (Fies), a Lei de Cotas, o Ciência sem Fronteira e o Programa Universidade para Todos (ProUni). A nota do Enem é usada, principalmente, no Sistema de Seleção Unificada (Sisu), usado pelas universidades federais para preenchimento de vagas. O exame também concede certificado de conclusão do ensino médio.
"O Enem, hoje, é irreversível. Agora tem que se buscar uma forma para que transcorra sem questionamentos, como outros exames no mundo inteiro que atingiram essa maturidade"
Remi Castioni, professor de educação da UnB
Memória
Histórico de falhas
O Enem tem sido marcado por falhas e questionamentos sobre a credibilidade do certame. Na última edição, a polêmica se deu em torno dos critérios de correção das redações. Atendendo uma exigência do Ministério Público, o MEC disponibilizou o espelho da redação aos candidatos. Textos contendo erros crassos de português e deboches explícitos — que receberam nota máxima — começaram, então, a circular nas redes sociais.
Em 2011, por causa de um erro técnico, um estudante conseguiu mudar a nota da redação de 0 para 880, depois de acionar a Justiça. O vazamento de questões de um pré-teste, que foram usadas no material acadêmico de uma escola de Fortaleza, também manchou a credibilidade de exame.
Um ano antes, alunos identificaram erros no caderno de perguntas e no gabarito. Também houve o vazamento do tema da redação duas horas antes do exame por uma mulher escalada para aplicar a prova. Ela avisou o marido, que pesquisou o tema e passou as respostas para a filha. E, em 2009, o calendário do certame foi alterado depois que uma cópia da prova foi furtada da gráfica onde o material estava sendo impresso e vazada para alguns jornais.
Autor(es): GRASIELLE CASTRO e ÉTORE MEDEIROS
Correio Braziliense - 09/05/2013