Concurso fajuto é fruto de desídia

 

Nunca encontrei uma pessoa tão ignorante que não pudesse ter aprendido algo com a sua ignorância.

Galileu Galilei

 

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Para preservar os princípios da moralidade e da impessoabilidade, a Constituição Federal define o concurso público como única porta de entrada nos quadros do Estado. Trata-se de fórmula clássica de evitar o favorecimento. Mas a elevada demanda tem contribuído para substituir os valores republicanos por outros bem mundanos, tornando a organização dos certames milionários e atrativos negócios para fraudadores.

Por dia, a diretora executiva da Associação Nacional de Proteção e Apoio aos Concursos (Anpac), Maria Thereza Sombra, admite receber pelo menos 50 denúncias de possíveis irregularidades. Resultado: vão virando rotina as seleções se transformarem em casos de polícia e terminarem nas delegacias.

Candidatos investem horas e horas em estudos. Às vezes, pagam caro por cursinhos preparatórios e deixam empregos para dedicar mais tempo à busca da sonhada vaga. Também desembolsam quantias pouco modestas com as inscrições. Abrem mão da vida social e sujeitam-se a forte desgaste emocional, com riscos para a saúde física e mental. Por fim, frustram-se ao descobrir que gabaritos foram vendidos, pessoas fizeram provas por outras ou passaram informações de fora, por meio eletrônico, e por aí vai.

Sem generalizar, é dar espaço à degeneração do sistema moralizador da administração pública, que precisa ser revisto com urgência. Afinal, a roda da fortuna não gira de graça. Sem facilidades, com atenta fiscalização ao longo de todo o processo, as arapucas da ganância nem sequer seriam montadas.

Só a completa negligência explica, por exemplo, que um concurso não autorizado pelo Ministério do Planejamento tivesse edital publicado no Diário Oficial da União, com taxas de inscrição de R$ 60 a R$ 100, e atraísse mais de 50 mil candidatos. Tudo isso, sob o guarda-chuva de uma entidade que, no edital, se identificava como órgão público, embora fosse desconhecida do Ministério Público Federal.

Para completar, a tal organização, o Instituto Científico Educacional de Assistência aos Municípios, teve a ousadia de usar em sua sigla a extensão típica dos órgãos do Estado: Iceam.gov. O concurso, que oferecia 432 vagas, distribuídas por todos os estados da Federação e o Distrito Federal, só foi cancelado depois que o Correio Braziliense denunciou a farsa. Mas ainda que as taxas recolhidas sejam devolvidas, o prejuízo é irreparável.

E o estrago maior cai na conta de toda a nação, que precisa ter a certeza — e, portanto, a tranquilidade — de que não haverá subterrâneos alternativos à única passagem possível para o ingresso nos serviços públicos. Ou seja: concursos realizados dentro dos princípios da moralidade e da impessoabilidade, capazes de selecionar funcionários cada vez mais capacitados e resultem no aperfeiçoamento da máquina, com melhor prestação de serviços à sociedade.



Visão do Correio - Correio Braziliense 07/04/2013

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