O futuro vai de trem
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Aldo Novak
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Desde o resgate de 4 mil quilômetros de linhas abandonadas até o sonho de construir, ainda nesta década, o primeiro trem de alta velocidade do país, o transporte por ferrovias se tornou a saída mais evidente para garantir o crescimento sustentável da economia brasileira. Sem investir pesado nos trilhos para oferecer deslocamento mais rápido e barato para os produtos brasileiros, o país segue condenando a indústria à perda de competitividade, deixa de aproveitar totalmente os ganhos de uma tardia conexão das ricas regiões agrícolas aos portos e, ainda, obriga milhões de pessoas a penarem nas grandes cidades com a escassez de meios de locomoção eficientes.
A partir desta edição, uma série de reportagens do Correio revela que, apesar do consenso entre autoridades, empresários e especialistas sobre a necessidade de reformar e ampliar a malha ferroviária, a marcha das obras é lenta e ainda sofre retrocessos devido à burocracia e à corrupção. O governo gastou 2012 para remover parte do entulho sobre as vias, mas ainda tem de convencer investidores a apoiar uma gradual mudança para o novo modelo, concentrado nas mãos da União, representada pela estatal Valec.
Há muito o que ser feito. O mais recente relatório de competitividade do Fórum Econômico Mundial coloca o Brasil na 12º colocação em qualidade da infraestrutura ferroviária, numa lista de 14 países, encabeçada pela Espanha. E o país já esteve na lanterna. Os trens respondem por quase 30% do transporte das riquezas do país, mas, curiosamente, a extensão total de ferrovias no país é a mesma de 90 anos atrás. Em 1922, eram também os 30 mil quilômetros de hoje.
Recuperação
A última e mais arriscada aposta do governo para mudar o perfil do sistema foi feita em agosto de 2012, com o anúncio do pacote logístico, para construir mais 10 mil quilômetros de novos trechos, com investimentos de R$ 56 bilhões nos primeiros cinco anos. “O plano foi anunciado com pompa, mas ainda não deslanchou”, lamentou o presidente da MRS Logística, Eduardo Parente. A razão, segundo ele, é que há muitas dúvidas sobre a proposta do governo, desde o valor a ser pago pelos usuários dos novos trechos até as regras para a atuação dos chamados operadores logísticos independentes.
Mesmo com as incertezas, o setor ferroviário tem a chance de encerrar uma longa trajetória de quebras na continuidade no planejamento estratégico. Em 2014, o Brasil completa 160 anos de convívio com as estradas de ferro, período marcado por fases distintas, com maior ou menor intervenção estatal. Apesar de ser um dos pioneiros na área, o país acumula prejuízos anuais que beiram os R$ 20 bilhões com planos de negócios incompletos, sobrecarregando o arriscado e poluente setor rodoviário, e ainda vê com nostalgia os tempos em que passageiros do interior viajavam lentamente de trem.
Apesar do ceticismo de alguns, especialistas ouvidos pelo Correio acreditam que o país está voltando para os trilhos. “Há uma clara retomada. Pena é que estamos tentando recuperar o tempo perdido. Ferrovia requer uma velocidade que não é compatível com a burocracia brasileira”, pondera Paulo Resende, professor da Fundação Dom Cabral (FDC).
O presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Bernardo Figueiredo, também vê franca recuperação, e vai além. “A volta aos trilhos é consistente e está sendo realizada de uma forma mais adequada, com mais tecnologia e velocidade das locomotivas”, diz. Para ele, a crítica feita ao ex-presidente Juscelino Kubitschek (1955-1960) por ter priorizado rodovias, influenciado pela indústria automotiva, é injusta. “Ele apostou no crescimento do Centro-Oeste, e a rodovia era a melhor solução da época. O trem não ajudaria o desenvolvimento do interior naquele momento”, afirma.
Ritmo lento
Figueiredo estima que o país precisa de mais 50 mil quilômetros de ferrovias, cinco vezes acima do anunciado pela presidente. Mas sua maior preocupação é com o tempo longo geralmente gasto no país nesses projetos. “A China, nos últimos 20 anos, construiu o equivalente a duas malhas brasileiras”, ilustra, lembrando que, se os trilhos escoassem 38% da produção nacional, de farelo de soja a automóveis, os ganhos de competitividade seriam espetaculares.
O secretário de Política Nacional de Transportes, Marcelo Perrupato, se ressente de o Brasil não ter investido no mesmo ritmo que os demais emergentes. Autor de um plano plurianual de R$ 430 bilhões de investimentos feito no Ministério dos Transportes, a serem aplicados de 2008 a 2023, ele reconhece que muito pouco saiu do papel, em razão da má gestão de projetos e da falta de engenheiros capacitados. O plano representaria um gasto no Orçamento inferior a R$ 30 bilhões por ano, ou 0,6% do Produto Interno Bruto. Rússia, China e Índia investem de 4% a 6%.
Marcos Roberto Buri, professor da Universidade Ibirapurera (SP), acredita que o desejo da presidente Dilma Rousseff de destravar o setor pode viabilizar de vez a agenda em debate desde o começo deste século. “A tendência é de os próximos anos consolidarem um sistema ferroviário híbrido, em que os atuais contratos de concessão coexistirão com o modelo de acesso aberto, adotado na Alemanha, no qual o poder público integra e constrói todas as malhas e vende sua capacidade de transporte a terceiros”, explica.
Em meio a turbulências, a realidade se impõe, e está na rua, desde o mês passado, o edital do trem-bala entre as duas maiores cidades do país, principal destaque do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A polêmica obra de R$ 34 bilhões é também uma prova de que a União terá peso decisivo na nova configuração das malhas. “Até hoje, bons projetos se deterioram no tempo em virtude de uma falta de visão. As próximas licitações terão de garantir cronogramas, boa gestão de recursos e pesados subsídios”, afirma Buri.
Autor(es): SÍLVIO RIBAS e ROSANA HESSEL
Correio Braziliense - 06/01/2013