Enigma no mercado de trabalho

 

O homem deve criar as oportunidades e não somente encontrá-las.

Francis Bacon

 

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Muitos analistas têm discutido o mais recente enigma no mercado trabalho brasileiro. Trata-se da manutenção da taxa de desemprego em níveis historicamente baixos, mesmo tendo em vista a recente desaceleração da economia. Por exemplo, é normal observar o desemprego (medido em novembro de cada ano) caindo de 7,4% para 5,7% entre 2009 e 2010, quando a economia cresceu 7,5%. Mas, como entender que o desemprego tenha caído novamente entre 2010 e 2012, passando de 5,7% para 4,9%, se a economia cresceu muito pouco nesse período?

A resposta para esse enigma parece estar na alta persistência do processo de geração de empregos na economia brasileira. Um estudo que realizamos há alguns anos ilustra bem esse fato1. A figura ao lado (construída a partir desse estudo) mostra a evolução da demanda e da oferta de trabalho previstas para a economia brasileira entre 2005 e 2015, a partir de modelos econométricos estimados usando dados de emprego e de Produto Interno Bruto (PIB) estaduais. Os resultados são bastante interessantes e podem ajudar a elucidar o enigma atual.

A figura mostra que a oferta de trabalhadores acima de 15 anos de idade (PEA) deve atingir 106 milhões de trabalhadores em 2015, em comparação com 89 milhões em 2005. Ou seja, haverá um crescimento de apenas 19% em 10 anos. O principal fator por trás desse baixo crescimento na oferta de trabalhadores é a virada demográfica que está ocorrendo no Brasil. A taxa de crescimento da população jovem (15 a 24 anos) será negativa nesse período, ou seja, o número total de jovens diminuirá (segundo o IBGE) de 35 milhões para 33 milhões. Além disso, a porcentagem de jovens que nem estuda nem trabalha está aumentando, o que está diminuindo ainda mais a oferta de trabalho. Vale notar que a população de jovens aumentou cerca de 3 milhões entre 1985 e 1995.

Mesmo que a taxa de crescimento baixasse para 1% ao ano entre 2012 e 2015, a demanda por trabalhadores cresceria

Além disso, a demanda por trabalho exibe uma persistência muito grande no caso dos Estados brasileiros. Ou seja, crescimento no emprego tende a persistir muito de um ano para outro, independentemente das variações no PIB. A figura mostra que, quando levamos em conta esse aspecto dinâmico do processo de geração de empregos, uma taxa de crescimento médio real de 4% ao ano faria com que a demanda por trabalhadores, se não houvesse aumentos de salários, crescesse de 81 milhões a 118 milhões de trabalhadores. Isso significa um crescimento de 42% no número de trabalhadores, num contexto em que a oferta está crescendo apenas 16%.

Quando o processo de crescimento de empregos é muito persistente, como parece ser o caso dos Estados brasileiros, variações na taxa de crescimento do PIB de um ano para outro têm pouca influência no comportamento do emprego (e por consequência da taxa de desemprego) no curto prazo. Para exemplificar, a figura mostra também como seria o comportamento da demanda por trabalhadores caso a taxa de crescimento baixasse para 1% ao ano entre 2012 e 2015. Nesse caso, a demanda por trabalhadores também aumentaria significativamente, para 114 milhões de trabalhadores em 2015, ou seja, a pressão sobre o mercado de trabalho continuaria.

Como as empresas não podem contratar mais trabalhadores do que os existentes na economia, quando a demanda por trabalho cresce a uma taxa superior à oferta, os salários aumentam, o que está efetivamente ocorrendo na economia brasileira. O modelo mostra também que um aumento de salários da ordem de 10% reduz a demanda por trabalho nos Estados em 1,4% no curto prazo.

Além disso, o grau de persistência parece ser maior no setor de serviços do que na indústria e na agricultura. Como a economia brasileira está se especializando em serviços, a persistência aumenta na economia como um todo. Por fim, o modelo mostra que tanto os efeitos do crescimento do PIB como a persistência são maiores para os trabalhadores menos escolarizados. Esses são justamente aqueles com maior redução da oferta nesse período, devido ao aumento da escolaridade que vem ocorrendo ao longo das gerações. Isso pode explicar também porque o salário vem aumentando muito mais para os trabalhadores com baixa escolaridade nos últimos anos, com efetiva redução da desigualdade no mercado de trabalho.

Mas, quais os fatores responsáveis por essa alta persistência no processo de geração de empregos no mercado de trabalho brasileiro? Isso é assunto para um próximo artigo. Mas, as implicações são claras. Mesmo se a economia brasileira não retomar o ritmo de crescimento de 4% ao ano, o mercado de trabalho permanecerá aquecido e os salários deverão aumentar ainda mais, tendo em vista o baixo crescimento da oferta.

1 Oferta e Demanda por Trabalho no Brasil: 2006-2015, Menezes Filho e Scorzafave (2008), Centro de Políticas Públicas do Insper.




Autor(es): Naercio Menezes Filho
Valor Econômico - 18/01/2013

Naercio Menezes Filho, professor titular - Cátedra IFB e coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, é professor associado da FEA-USP e escreve mensalmente às sextas-feiras.

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