Domésticas ainda longe da legalidade
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W. F. Grenfel
São mais de 15,7 milhões nessa atividade no mundo sem direitos trabalhistas. Só no Brasil, há 7,2 milhões.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho, o Brasil tem o maior contingente do mundo de profissionais no setor em números absolutos - 7,2 milhões. Destes, 69,3% estão na informalidade, o que restringe o acesso a direitos como FGTS e limite de jornada
Um em cada três trabalhadores domésticos no mundo está excluído do alcance das leis trabalhistas do país em que moram. Eles somam 15,7 milhões de pessoas — entre as 52,6 milhões que exercem serviços de limpeza e cuidado para terceiros. O Brasil é a nação com o maior contingente de profissionais da área em números absolutos. São 7,2 milhões, de acordo com dados de 2010; seguido da Índia, com 4,2 milhões; e Indonésia (2,4 milhões). As informações constam de estudo divulgado ontem pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), envolvendo 117 países, nos quais a China — que se destaca pela quantidade expressiva de habitantes — não entrou.
A pesquisa mostra ainda que 45% dos trabalhadores domésticos não contam com direito a período de descanso semanal e mais de um terço atua sem previsão legal de licença-maternidade — item importante já que quase 90% dos profissionais são mulheres. O retrato global de desigualdade para o qual a OIT chama atenção repete-se no Brasil. Embora a legislação brasileira estenda aos domésticos direitos garantidos aos demais trabalhadores, eles não são contemplados com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), adicional noturno e limite de jornada, entre outros. Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), atualmente no Senado, busca essa equiparação.
Para Creuza Maria Oliveira, presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), um dos maiores problemas enfrentados pela categoria é a informalidade — que chega a 69,3%, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2011. "Nem os direitos previstos em lei, como a assinatura da carteira, são respeitados. Claro que há avanços, comparando o Brasil a outros países, mas também estamos longe de ser exemplo", afirma Creuza. Licença-maternidade e salário mínimo regulamentados são alguns dos benefícios previstos para trabalhadores domésticos brasileiros nem sempre garantidos em outros países.
Lia Barros da Silva, 45 anos, trabalha em casas de família há 20, mas só recentemente conquistou direitos previstos em lei. Há dois anos, ela começou a trabalhar com carteira assinada. Nascida no município de Bom Jesus (PI), a mulher veio para Brasília em busca de melhores remunerações. Apesar de reconhecer que houve melhoria na situação dos empregados domésticos, para ela ainda há muito a avançar. "Não temos todos os direitos dos outros trabalhadores, como o seguro-desemprego e o FGTS", reclama.
Advogada e assessora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria, Luana Natielle Basílio destaca que a desigualdade em relação ao trabalho doméstico tem fundo cultural no Brasil, mas também foi referendado pela própria legislação. "A Constituição Federal garante 36 direitos aos trabalhadores em geral e apenas nove para as domésticas, que chamo no feminino devido à profissão ser exercida majoritariamente por mulheres. Quer dizer, a própria lei criou uma espécie de categoria de segunda classe", afirma Luana. "Isso é fruto de um passado escravocrata e da subvalorização do saber tradicional, que elas têm, em contraposição ao saber formal, acadêmico."
No Brasil, 17% das mulheres que trabalham estão no serviço doméstico. O índice está próximo ao de vizinhos, como Argentina, com 18,3% e Uruguai, 18,5%. Em países desenvolvidos, essa taxa é menor. No Reino Unido, 0,6% da população feminina empregada faz trabalhos na casa dos outros, enquanto nos Estados Unidos esse número chega a 0,9%. França (4%), Portugal (7%) e Espanha (8%) têm índices próximos. Os maiores percentuais do mundo estão no Oriente Médio. Em Omã, 59,3% delas atuam como domésticas, no Kuwait são 53,3% e na Arábia Saudita, 47,1%.
Menores
O levantamento da OIT não levou em consideração menores de 15 anos que trabalham em serviços domésticos. Esse contingente foi estimado pela OIT, em 2008, em 4,7 milhões. Dados do IBGE de 2011 mostram que 257 mil crianças e adolescentes entre 10 e 17 anos atuam no setor. Amapá e Rio Grande do Norte aparecem com os índices mais preocupantes. Nessas localidades, mais de 20% das crianças de 10 a 14 anos, idade a partir da qual é permitido trabalhar no Brasil e sob determinadas condições, labutam na casa de terceiros — muitas vezes vizinhos, amigos ou desconhecidos. Carlos Vieira/CB/D.A PressEm 20 anos de trabalho, Lia Barros só passou a contar com a carteira assinada há dois anos Salário mínimo como soluçãoO estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT) destacou o exemplo do salário mínimo brasileiro como medida capaz de melhorar as condições de emprego dos trabalhadores domésticos. De acordo com a pesquisa, apesar dos altos índices de informalidade, o Brasil conseguiu avançar na última década graças à implementação da política de valorização da remuneração mínima — hoje de R$ 678.
Entre 2003 e 2011, houve um aumento de 55% no valor da remuneração, e os trabalhadores domésticos, que até então tinham o pagamento praticamente estagnado, foram os principais beneficiados. Calcula-se que o salário mensal médio da categoria aumentou 47%, passando de R$ 333, em 2003, a R$ 489 em 2011. No mesmo período, os reajustes, de maneira geral, ficaram em 20%.
Evalda Francisca da Silva, 41 anos, comenta que a garantia de um salário melhor e de aposentadoria são as maiores vantagens do trabalho formal. "É uma segurança para o futuro. Sei que o INSS está sendo pago todo mês." Ela começou a trabalhar como empregada doméstica aos 12 anos, em Teresina, sua cidade natal, e passou cerca de 10 anos na informalidade. "No Nordeste, principalmente, a empregada é muito escravizada. Como comecei por lá, fiquei muito tempo sem carteira. Era menina, não tinha noção dos meus direitos." A conscientização veio por meio de uma patroa, que exigiu a carteira assinada como condição para que Evalda trabalhasse. "Hoje minha carteira está cheia", comemora a doméstica. (ABL)
Histórico de desigualdades
Na série de reportagens Domésticas que a abolição esqueceu, publicada em novembro, o Correio mostrou que, apesar dos avanços obtidos pela categoria, desigualdades graves persistem no país. Com base em dados oficiais, histórias de vida e análises de especialistas, foram levantados problemas como o alto índice de profissionais sem carteira assinada — quase 70%. A suposição de que parte considerável atua como diarista, provável causa da informalidade, não se sustenta. Apenas 30% trabalham em duas casas ou mais.
Autor(es): RENATA MARIZ e ANNA BEATRIZ LISBÔA
Correio Braziliense - 10/01/2013