Concurso na Polícia Federal
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John Quincy Adams
Desde 2004, não era realizado concurso público para o cargo de delegado de Polícia Federal. Quando, enfim, a categoria comemorava a publicação do edital, em junho deste ano, o certame acabou suspenso poucos dias depois. A Procuradoria Geral da República (PGR) obteve decisão liminar do Supremo Tribunal Federal (STF) para reserva de vagas em favor dos portadores de necessidades especiais, o que, aliás, não é assegurado para os profissionais de segurança nem da PGR nem do STF.
O Departamento de Polícia Federal já deu mostras que não pretende mudar de opinião e prefere esperar a decisão de mérito no STF. Sem adentrar o cerne da questão, cabe salientar que a queda de braços prejudica o calendário de novos concursos até 2016 já irremediavelmente comprometido com reflexos negativos no enfrentamento aos crimes transnacionais e na execução das metas do Plano Nacional de Fronteiras, lançado pelo governo Dilma Rousseff.
Por ano, aproximadamente 25 delegados deixam a Polícia Federal, por aposentadoria, para ingressar em outros cargos ou por outro tipo de vacância. A situação é tão grave que, nos próximos anos, não haverá nenhum delegado federal na classe inicial do órgão. A falta de novos delegados impede o processo de renovação da Polícia Federal e traz angústia aos delegados que permanecem mais de seis anos nas unidades de fronteira, sem perspectivas de mudança na vida funcional, uma vez que não há previsão de posse para novos delegados, peritos e escrivães na região.
A falta de concurso público está criando situação ainda mais temerária dentro da Polícia Federal. Devido à absoluta carência de servidor, em algumas delegacias estão sendo nomeados agentes em vez de delegados para chefiar a unidade. Assim, a figura do “delegado calça-curta” acabou sendo ressuscitada na instituição. Esse tipo de situação, encontrada no interior do país em tempos passados, é inadmissível nos dias atuais, sobretudo numa instituição como a PF.
A credibilidade da Polícia Federal vem sendo abalada pela crise de identidade funcional de alguns gestores que, se deixando amedrontar pelas pressões de sindicalistas e pelo poder institucional do Ministério Público, rugem para os pares, mas se encolhem ante a presença de representantes classistas de outras categorias policiais e do MP.
É da natureza do cargo de delegado de Polícia Federal exercer a a autoridade e ser dirigente da Polícia Federal. Aquele que não se reconhece nesse papel legítimo não merece o cargo que ocupa. Essa crise de identidade está levando à perda de hierarquia e disciplina no órgão.
O mais grave é que segmentos sindicais, mediante planejamento estratégico contratado previamente, estão promovendo uma política de marketing para desestabilização da instituição com o objetivo de manchar a imagem dos delegados de Polícia Federal como classe dirigente do órgão. Inconsequentemente, envenenam o corpo funcional que também integram.
Eis que se tornam aliados de tudo e de todos, apenas e exclusivamente, por entender cegamente que, assim agindo, estão combatendo o "inimigo" eleito. Passam a defender a subordinação funcional da Polícia Federal ao Ministério Público e pregam o fim do inquérito policial como se fosse possível, no atual estágio do Estado Democrático de Direito no Brasil, investigação criminal informal, não documentada, sem maiores freios e controles externos, a serviço da acusação, com quebra na paridade de armas e riscos imensuráveis aos direitos e garantias fundamentais do cidadão.
Se os delegados federais não resgatarem o comando e a liderança que lhes são constitucionalmente de direito, a instituição não fará frente aos desafios que o futuro impõe. Com isso, a Polícia Federal, que já perdeu espaço institucional para outras forças, perderá muito mais. Em parte, esse problema seria resolvido se o governo federal instituísse a Lei Orgânica da Polícia Federal.
Todavia, aos 68 anos de existência, a instituição segue regida na base do improviso, por decretos, portarias e instruções normativas, algumas delas de duvidosa constitucionalidade, sem definições claras das responsabilidades de cada cargo. Sem o documento de organização e funcionamento, as categorias se digladiam enquanto o governo se faz de Pôncio Pilatos — lava as mãos. E fazem do órgão uma nau sem rumo em prejuízo da sociedade e para a alegria da criminalidade organizada.
Autor(es): Marcos Leôncio Sousa Ribeiro
Correio Braziliense - 26/12/2012
Marcos Leôncio Sousa Ribeiro é presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) e membro do Conselho Nacional de Segurança Pública (Conasp)