44% da elite vêm de famílias pobres

 

Você vê coisas e diz: Por quê?; mas eu sonho coisas que nunca existiram e digo: Por que não?

George Bernard Shaw

 

»Polícia Militar do Espírito Santo abre 1.100 vagas para soldados


Ascensão social no país fez as classes A e B aumentarem 54% na última década. Elas terão mais 7,7 milhões de pessoas nos próximos três anos


A paraense Maria Goreth Medeiros de Miranda, 54 anos, contou com muito estudo, dedicação e trabalho para sair da pequena cidade de Prainha, na beira do Rio Amazonas, e conquistar um bem remunerado cargo de servidora pública em Brasília. Filha de uma família enorme — são 11 irmãos —, ela deixou a casa onde nasceu ainda menina, aos 11 anos, em busca de um futuro melhor do que a vida precária que os pais, ambos com apenas o ensino primário concluído, levavam.

A vida não foi fácil para Goreth, que, na casa de primos, em Santarém (PA), era babá de três crianças e estudava durante a tarde em um colégio público. Um golpe de sorte, no entanto, mudou o destino da menina. "Como eu estudava muito e sempre fui boa aluna, comecei a dar aulas particulares a uma senhora que estudava comigo", conta. "Vendo que eu percorria vários quilômetros todos os dias para chegar à escola, ela acabou oferecendo a própria casa para que eu morasse. Ela se tornou minha segunda mãe", completa.

Goreth pôde, então, estudar sem a obrigação de ter que trabalhar para se sustentar. A vinda a Brasília, contudo, só ocorreu tempos depois, a título de passeio, quando a família de militares com quem morava foi transferida para a capital. "Ganhei deles uma passagem para ficar um mês passeando, mas nunca mais voltei", ri. "Aqui, todo mundo trabalhava e estudava. Era isso que eu queria", relembra.

Em Brasília, a paraense passou a trabalhar para ajudar nas despesas de casa. A caminhada foi grande até chegar ao funcionalismo público, em 1980: foi secretária de médicos, de advogados e de uma empresa de telecomunicações. "Fui fazendo cursos, me especializando e conseguindo salários melhores. Um dia, uma amiga me ligou e disse que estavam fazendo um concurso no órgão em que ela trabalhava. Pedi licença no trabalho, peguei um táxi e fui correndo", relembra. Com a aprovação no processo seletivo, passou receber, em cruzeiros, quase três vezes mais do que recebia como secretária.

Há 32 anos no serviço público, Goreth recebe hoje cerca de R$ 6 mil, que sustentam ela e a filha, Maíra, 23, em um apartamento no Guará. "Minha vida mudou muito. Depois de muitos anos morando de favor e dividindo o aluguel de um cômodo de um apartamento, comprei meu próprio imóvel, meu carro, além de dar um estudo de qualidade para a minha filha", diz.

Transformação
Goreth é a síntese do forte processo de mobilidade pelo qual passa o Brasil. Dados do Instituto Data Popular comprovam que 44% dos brasileiros que hoje compõem as classes A e B são a primeira geração de endinheirados da família. Ou seja, nenhum de seus parentes chegou antes à elite do país. Na avaliação do presidente do Data Popular, Renato Meireles, esse movimento de ascensão social é fruto do crescimento e distribuição de renda no país, além do aumento nos níveis de escolaridade. Ele estima que cada ano de estudo pode resultar em uma elevação de até 15% nos salários. A Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República estima que a renda familiar média mensal da classe A é de R$ 12.988, e a per capita, de R$ 4.687. Já o rendimento médio das famílias de classe B é de R$ 4.845 e o per capita, de R$ 1.503.

Meireles também destaca que o fator empreendedorismo foi determinante para que mais brasileiros ingressassem nas classes de maior faixa de renda. "Em um país em que o consumo é forte, fica fácil empreender", ressalta. Apesar da intensa mobilidade social, a nova elite mantém hábitos de consumo herdados dos tempos em que não eram abastados. Fazem pesquisas de preço, parcelam as compras e adquirem produtos mais caros para reforçar o novo status social.

Atentos a esse fenômeno, marcas de luxo internacionais adequaram as regras que adotam em outros países, na hora de fechar um negócio, à realidade brasileira. Grifes renomadas como Louis Vuitton, Burberry e Gucci, que só fazem vendas à vista nas lojas em outros países, no Brasil, parcelam os valores das mercadorias em até 12 vezes. "Essa adaptação à realidade brasileira fará com que a nova elite impulsione ainda mais o mercado de luxo no país", acredita Meireles.

Vida nova
O futuro como trabalhadora rural parecia inevitável para a goiana Kênia Francis, 29 anos. Filha de gerações de agricultores familiares, ela veio para Brasília há cerca de 10 anos com a educação básica ainda incompleta. Na capital federal, fez bicos de babá e vendedora. Foi nos salões de beleza, porém, onde descobriu a vocação que a levaria a um empreendimento que lhe rende hoje um faturamento de R$ 30 mil por mês. Dona de um salão de beleza em Águas Claras, há pouco mais de dois meses, Kênia se vê como uma batalhadora. "Fiz mais de uma dezena de cursos de cabeleireiro e trabalhei em vários salões por sete anos até chegar à minha posição atual", diz.

Dos R$ 30 mil tirados, dois terços vão para as despesas do salão, o que faz com que a empreendedora tenha, mensalmente, uma renda líquida próxima de R$ 10 mil. Agora, Kênia leva uma vida bem diferente da que deixou na pequena Alvorada (GO): comprou um carro, está financiando um apartamento e pretende viajar para os Estados Unidos no ano que vem. "Sempre fomos muito pobres. Para quem veio para Brasília trabalhar de babá, considero que estou numa situação muito boa", completa.

Na avaliação de Marcelo Neri, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), o crescimento econômico e o fortalecimento do mercado de trabalho podem explicar a ascensão social dos brasileiros. Neri explica que as classes A e B são as que mais crescem proporcionalmente no país. Enquanto o avanço da elite foi de 54% na última década, o aumento da classe C chegou a 46%. Nos próximos três anos, mais 7,7 milhões de pessoas deverão ascender à elite — um salto de 29%. "O nível de satisfação do brasileiro está crescendo muito. E tudo isso decorre da ampliação do poder de compra", ressalta Neri.

Para o ministro da SAE, Moreira Franco, a estratégia que o governo adotar nos próximos anos, para que o processo de mobilidade social continue, deverá ter como base o controle da inflação, o aumento da renda e a elevação da produtividade da mão de obra. Tudo isso aliado a uma política que impulsione a produção. Ele ressalta que outro pilar para a expansão das classes A e B será a educação. "Esse item é trabalhado em um prazo mais longo, mas cada vez mais pessoas estão matriculadas no ensino básico e em universidades em busca de qualificação", frisa.

Sandoval Lucas de Oliveira, 38 anos, começou a vida profissional vendendo doces na feira de Ceilândia. Foi sapateiro, pintor e pedreiro, até descobrir que o verdadeiro talento estava realmente no comércio. Montou uma loja de roupas e, depois de 10 anos de trabalho, fatura R$ 37 mil todos os meses. Após pagar os funcionários, o aluguel, comprar mercadorias e custear outras despesas fixas, coloca no bolso R$ 9 mil.

Para melhorar o negócio e aumentar os ganhos, ele se matriculou em um curso de administração. "Sei que, quanto mais conhecimento eu tiver, mais eu poderei faturar. Tenho dois filhos e os dois estudam em escolas particulares para se prepararem melhor. Faço um investimento para que tenham uma vida superior a minha", afirma.

» Bolso aberto

A disposição em ir as compras no Natal é forte na nova elite brasileira. Enquanto os que integram a classe C estimam gastar, em média, R$ 288 com presentes, pessoas da classe B estão prontas para desembolsar R$ 484. Já os da classe A pretendem dispor de R$ 1.063 para presentear amigos e familiares durante as festas de fim de ano, quase quatro vezes mais que a classe média.Bruno Peres/CB/D.A PressGoreth saiu da beira do Rio Amazonas para Brasília. Ninguém em sua família galgou antes o topo da pirâmide Bruno Peres/CB/D.A PressKênia Francis fez vários bicos para sobreviver. Hoje, seu salão de beleza lhe rende R$ 10 mil limpinhos por mês.




Autor(es): ANTONIO TEMÓTEO
Correio Braziliense - 22/12/2012

Compartilhe:

Apostilas de Matérias Isoladas e Técnicas

Para Todos os Concursos

 

 

Questões de Nível Médio 2024